sábado, 30 de abril de 2011


Meias palavras e um silêncio


- Eu vou almoçar!

O choque de meia dúzia de meias palavras incita a fuga.
Eu poderia pedir desculpas e, de fato, devo pedi-las, mas por agora, recuso-me. Senão, estaria, como o fiz noutras vezes, renegando a fumaça que inspiro e legando o fogo que sinto a um banho nas águas frias de um mar congelado e morto.
Eu poderia acreditar nas quase cartas de amor infantes e fingir uma felicidade eterna e pulsante em dois corações demasiadamente humanos, jovens e inexperientes, mas, por agora, recuso-me. Senão, estaria, como o fiz noutras vezes, renegando o rebento orientador de racionalidade que tem pulsado em mim. E pior: estaria pondo nossas cabeças aos libertos abutres de minha mente, que me sucumbem sempre que me permito andar por trilhos não desejados.
Eu poderia sequer ter incentivado o começo – dono de um desfecho que, infelizmente, parece escapar como água pela brecha dos meus dedos. E dos seus! Afinal, sempre (ou quase), libertei-me em vias de ser engaiolada. Já fiquei embaixo de cestas e paneiros, embaixo de guarda-chuvas pretos e estampados, mas nunca dentro de uma caixa-preta detentora de mim, nunca dentro de gaiolas rígidas e obrigatórias e (não sei como) cheias de amor para dar. Confesso: Isso me assusta. Já simulei naturalidades e correspondências, mas, mesmo gigante, imponente, senti vontade de me esconder dentro do guarda-roupas, onde encontro meu cheiro, meu rastro, meu poder de ser satisfatoriamente companhia de mim mesma.
Nunca quis ser pastora nem cordeiro. Lobo? Talvez! Mas um da estepe. Nunca aquele afeito a alcateias desprovidas de ideias e cheias de necessidades coletivas. Um pássaro? Talvez! Mas nunca tive talento para bandos ou para buscar o sol devido à necessidade que o inverno impõe.
Se estiver me entendendo mal, perdoe-me, não consigo dizer nada mais diferente do que as entrelinhas que me entretem e me vestem para que eu não assuste tanto. É de se supor que, se eu tirasse o relógio do pulso, os sapatos sujos de rua, o jeans surrado e suado do dia, a blusa cheirosa do meu perfume doce e o batom vermelho de minha boca... E ainda jogasse de lado e sem cuidado a bolsa cheia de responsabilidades e, por fim, me despisse por completo, mostrando-me inclusive às avessas... Certamente, eu o assustaria e a quem quer que, por azar ou ventura, observasse o buraco negro e ainda invertido que alimento em minhas entranhas.
Não, não! Não sou nenhum demônio humano ou humano demônio. Nada disso! Sou humana, só! Mas alguém que ladra atrás de si e se encontra com o ideal, esporádica e sorrateiramente; surrando desencontros e mirando a luz do sol ou da lua pelas brechas insólitas e mutantes das cestas e paneiros que permiti que me cobrissem.
Então veja: É só isso! Quero me seguir. Não quero rebanhos! Não quero nem exijo que me compre a companhia. Tampouco quero comprar a sua ou de quem quer que seja. Um dia, na rua, na internet, num restaurante, na serra, no ônibus, numa sacada... um cigarro, um vinho, um livro, uma guitarra, um violão... você e eu, por acaso. É esse o acaso que agora inexiste e que queremos moldar num laboratório com açúcar,  lembranças, sonhos, medos e outras coisinhas mais. Um erro fatal! Temido apenas ou previsível, mas sentido até mesmo quando pronunciei meia dúzia de meias palavras e um de nós dois saiu, dizendo que iria almoçar.

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