sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

          Crônica de Reveillon


 De novo, seremos induzidos à reflexão diante de um espelho sujo pelo tempo; choraremos enquanto admiramos os fogos; abraçaremos quem nos amou e a quem amamos e persistiram em nossas vidas; apertaremos a mão daqueles que nos atrapalharam e daqueles que nunca vimos antes; e recomeçaremos, na tentativa de fazer as coisas melhores, do nosso real e novo jeito, segundo nossas verdades, que, de universais, não tem nada.
Mais uma vez, nos daremos o trabalho de escolher a roupa e o sapato novos, atentando, inclusive, para suas cores. Bateremos a poeira do nosso corpo, agora mais velho, e nos prometeremos a vida, mais uma vez, para o “eterno” que durará 366 dias dessa vez.
E, de novo, recolheremos nossos cacos e trataremos de esconder as mágoas, pesando mais as coisas boas do ano que acaba e jurando levá-las conosco para sempre, até que elas se esvaiam ou que irritem nossos monstros interiores. Mas, sinceramente, não queremos que nada de mal lhes ou nos aconteça.
Aspiramos a ver preservada a tranquilidade de alguns dos nossos dias, a bonança de algumas metas alcançadas e o equilíbrio daquele Amor que sempre quisemos ter e que, sem que esperássemos, da maneira mais surpreendente e na pessoa menos improvável, nos foi dado.
Pela milionésima vez, apontaremos nossa confiança renovada e nossos olhos adiante, enquanto que, em um passado não tão distante, de meses atrás, parecíamos irrenováveis e fragilizados para todo o sempre.
Mas é isso o que o Reveillon tem de bom. O Novo Ano nos serve novas energias, novos sonhos, novos cursos, novas promessas. E, embora ciente de que nem sempre o novo seja bom, eu também, como a maioria das pessoas, busco renovação (RE – NOVA – AÇÃO).

sexta-feira, 18 de novembro de 2011


Tergiversar

 Olha a minha cara de dispensa, de elogio aos relacionamentos baratos e a essas coisas que metem medo na maioria das pessoas. Hoje é o dia de soprar essa fumaça pútrida das convenções e dar na própria cara os tapas desejosos da cara daqueles que nos descartaram.
Dê em si mesmo o tapa que lhe acordará à verdade universal: você apenas precisa arremessar para longe aqueles ventos que lhe dizem que você precisa de alguém para ser feliz. Antes de tudo, busque-se! E verá que é você mesmo a roda viva desse universo. É de você que partem os caminhos a serem seguidos. Mas, se você não tem voz para apontar a própria direção, perdoe-me: Você será apenas mais um idiota a plantar cadáveres nas trincheiras que outros fizeram para você semear.
Não seja mais um idiota a se perder. Nós mesmos é que devemos fazer nossa carta de alforria. Ignore o medo e faça seu casamento com você mesmo. Fidelidade individual é o que há. Após, a liberdade lhe sorrirá. E é essa a cara de deboche que enfeitará sua tez de sarcasmo e de diversão. E tudo terá um xadrez diferente.
Olhando daqui, de detrás dessa fumaça toda, dá até para ver o céu azul.

terça-feira, 15 de novembro de 2011



Não vêm de longe essas perguntas que atormentam; vêm de há muito e daqui do lado, dessa abertura monstruosa neste peito consumido. Quem achar o sopro sobrenatural um equívoco é porque ainda não sabe que a obscuridade é a principal marca de nossa origem. Como já disse Hermann Hesse, outrora, proviemos do mesmo abismo. E é para o mesmo fim que caminhamos.
Esta terra amassada pelos meus pés e mãos jaz no meu suor. Este céu azul e branco é capturado e aprisionado e eternizado num flash de olhos cansados que não desistem. Este odor de almoço servido, pronto, fácil, apodrecerá. Repudiamos o acre, mas salivamos com a lembrança do nosso paladar desdenhoso e falso.
Só não conscientizamos a origem, porcos que somos, reles que estamos. É o nosso mistério a encandear-se, a desdobrar-se, a transfigurar-se, a suicidar-se e a refazer-se, sempre novo, sempre possesso.
Não vêm de longe, vêm de há muito, essas perguntas que atormentam...

domingo, 30 de outubro de 2011



Superfície

Temos alguns monstros aqui dentro e, ora sim ora não, eles nos consomem.
Na superfície, nada de mar revolto; mas o vazio de palavras aqui dentro denuncia-nos. Crise. Pane. Nada pior do que não conseguir saber o que de fato sentimos.
A Ressaca age de dentro para fora, minuciosamente.
Amiudadamente.
Monstros interiores. Monstros interiores.
Mitos. Placebos de uma vida mal sentida.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

 É isso!


Recolher as roupas. Guardar as garrafas. Quebrar as taças. Lavar o sangue. Pegar as malas e fazê-las. Experimentar o pó sobre a cama não usada e sentir o cheiro do sofá há muito vazio. Beijar as camisas. Suspirar pelas lembranças. Recordar. Depois esquecer. Dar as costas. Apagar arquivos. Escrever qualquer coisa num papel sujo. E se despedir.
Hora de partir. De novo e sempre. Isso é a vida. E temos de vivê-la.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

"[...] já foi o tempo em que via a convivência como viável, só exigindo deste bem comum, piedosamente, o meu quinhão, já foi o tempo em que consentia num contrato, deixando muitas coisas de fora sem ceder contudo no que me era vital, já foi o tempo em que reconhecia a existência escandalosa de imaginados valores, coluna vertebral de toda ‘ordem’; mas não tive sequer o sopro necessário, e, negado o respiro, me foi imposto o sufoco; é esta consciência que me libera, é ela hoje que me empurra, são outras agora minhas preocupações, é hoje outro o meu universo de problemas; num mundo estapafúrdio definitivamente fora de foco cedo ou tarde tudo acaba se reduzindo a um ponto de vista, e você que vive paparicando as ciências humanas, nem suspeita que paparica uma piada: impossível ordenar o mundo dos valores, ninguém arruma a casa do capeta; me recuso pois a pensar naquilo em que não mais acredito, seja o amor, a amizade, a família, a igreja, a humanidade; me lixo com tudo isso! me apavora ainda a existência, mas não tenho medo de ficar sozinho, foi conscientemente que escolhi o exílio, me bastando hoje o cinismo dos grandes indiferentes [...]" [1]

[1] NASSAR, Raduan. Um copo de cólera. São Paulo: Companhia das letras, 1992. p. 54-55.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

"A vida de todo ser humano é um caminho em direção a si mesmo, a tentativa de um caminho, o seguir de um simples rastro. Homem algum chegou a ser completamente ele mesmo; mas todos aspiram a sê-lo, obscuramente alguns, outros mais claramente, cada qual como pode. Todos levam consigo, até o fim, viscosidades e cascas de ovo de um mundo primitivo. Há os que não chegam jamais a ser homens, e continuam sendo rãs, esquilos e formigas. Outros que são homens da cintura para cima e peixes da cintura para baixo. Mas, cada um deles é um impulso em direção ao ser. Todos temos origens comuns: as mães; todos proviemos do mesmo abismo, mas cada um - resultado de uma tentativa ou de um impulso inicial - tende a seu próprio fim. Assim é que podemos entender-nos uns aos outros, mas somente a si mesmo pode cada um interpretar-se." [1] [grifo meu]

[1] HESSE, Hermann. Demian. Trad. Ivo Barroso. Rio de Janeiro: Record, 2006. p. 16-17.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011


Blankness


 Tudo quanto somos é feito do vazio ensimesmado que nos dá forma. Percorremos limites e corremos pelo desconhecido. E o que são o limite e o desconhecido senão um vazio que queremos preencher?
Tudo quanto há de resposta que buscamos está em nós. Apenas não buscamos formas de ouvir, porque há muito ficamos surdos. Apenas não enxergamos, porque o espelho de nossos dias embaçou na manhã mais fria do ano: aquela em que nos perdemos de novo para nunca mais...
Somos criadores, não apenas criaturas; e vivemos de moldar verdades e de nos perder, porque somos demasiadamente desconhecidos para nós mesmos e, sobretudo, para os outros. Somos o nosso próprio limite e o vazio sobre o qual queremos falar. Não o fazemos porque não sabemos. E, aos outros, somos nada mais que detalhes de sua tosca sobrevivência. Pronunciamos apenas as ínfimas reminiscências das palavras que aprendemos, mas que não sabem traduzir o que deveras nos incomoda.
Tudo quanto nos dá forma é feito do vazio ensimesmado do que somos. E toda palavra que há nas nossas tentativas de tradução pessoal são incoerências do conflito que nos move.


P.S.: O conflito que nos move é o que há do nosso Eu resoluto tombado naquele vazio, o da nossa ignorância sobre o sentido de nossa estadia no inferno do que somos e para que viemos.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

“Bruta flor do querer”


 Um dia, sem querer, por acaso, e estão desfeitos nossos velhos conceitos.
Sem a mais justa adequação, sem Sim e estando ausente também o Não, ficamos com o Talvez e com a única certeza de que o Incerto é o que move montanhas.
No que queriam Vida, demos Morte. No que queriam Amor, demos as costas. Quando quiseram Martírio, servimos Coragem. Quando exigiram Persistência, Covardia.
Estamos sempre a milhas da flor bruta do querer, flor amarela e selvagem. Porque também o somos: ... amarelos e selvagens.
Ou selvagens e amarelos... E ainda rubros e brandos. Estamos sempre a milhas de saciar nossa fome e de dar de beber a quem tem sede de nós numa caixa de música. Porque nossa fome é infinita e a tal caixa é pequena demais para nossas dores e desequilíbrios, por isso dançamos fora dela. Nada presumido ou pressuposto. Tudo em entrelinhas que libertam sempre o Sempre de nosso não quando da exigência do Sim.
Apenas crianças levadas, mal-criadas, a sonegarem licença para o vovô. Apenas velhos rabujentos que sentem prazer ao atrapalharem o programa dos netos jovens. Apenas filhos envergonhando a mãe na fila do consultório. Apenas a vaidade de mostrar a perfeição em um rosto feio depois de uma queda de bicicleta. Apenas as penas que há em sequer sabermos quem somos. Tudo há muito misturado para definir geração...
Se querem firmeza, saudade. Se querem saudade, indiferença. Se querem brilho, opaco. Se exigem compromisso, desleixo. Não damos o que nos pedem. Somos apenas o desequilíbrio e o avesso do que queremos ser.

sábado, 1 de outubro de 2011


O Orgulho e a Vaidade


Para Fernando Pessoa, o orgulho é a consciência (certa ou errada) do nosso próprio mérito, enquanto a vaidade é a consciência (certa ou errada) da evidência do nosso próprio mérito para os outros. Segundo o gênio português, um homem pode ser orgulhoso sem ser vaidoso; pode ser ambas as coisas, simultaneamente; e pode ser vaidoso sem ser orgulhoso.
Parece meio incompreensível encarar alguém que seja vaidoso sem ser orgulhoso, ou seja, alguém que tenha consciência de que o outro sabe de seu mérito enquanto ele mesmo não o sabe. Mas Pessoa explica isso dizendo que vivemos duas vidas: uma exterior e uma interior e que estaria aí a explicação.
A vida exterior é aquela vivida para causar efeito sobre o outro e, por ser vivida primeiro, permite-nos dizer que causar efeito em outrem seria quase sempre a base de todos os princípios do homem, uma vez que este vive ou quer viver, em princípio, o efeito que causa no outro e, apenas tardiamente (na vida interior), a causa desse efeito. Na vida exterior, o efeito é tomado como a causa interior desse efeito, estando o homem, pois, nesta vida, vivendo sob uma inverdade, propositalmente ou não.
Por viverem, desde o princípio, sob a preocupação com o outro, ainda que algumas estejam vivendo a vida interior, as pessoas ainda têm refletindo, nos seus comportamentos e ideias, a vida exterior, que subsiste na busca de ver que os outros reconhecem seus méritos, verdadeiros ou forjados. É a vaidade em ação.
Vivemos atualmente um momento que exalta intensamente a vaidade, quase intrínseca à natureza humana. E eu não recorro à moda ou à estética exclusivamente para apontar isso, mas ao fato de essas duas coisas mais o status sócio-financeiro serem usados como ambições pessoais a definirem também quem é gente e quem não é.

É a vaidade, Fábio, nessa vida [1]...


[1] Referência ao poema "É a vaidade, Fábio, nesta vida", de Gregório de Mattos Guerra.  

segunda-feira, 25 de julho de 2011

“Você sabia que havia um Lobo nesse Homem”


Eu sempre soube do Homem nesse Lobo também.
Nenhum lobo passa por cordeiro. Nem por Homem.
E nenhum homem que se quer lobo in natura pode sê-lo.
Sempre soube que havia um lobo nesse homem.
E é esse homem que o lobo faz Homem. E mais Lobo quando quer.
Não há retorno ao selvagem quando este jamais fora abandonado.
Então seja selvagem! Seja você. Mas não seja menos do que tem sido nem mais do que ao que tem se proposto.
Qualquer peso faz de um lobo uma presa. Ou do Homem, um deus.
Não seja presa. Não seja deus. Seja Homem. Seja Lobo. Seja Você.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

“Mais respeito que sou tua mãe, filho de uma puta!”




Ninguém mais sabe o que é “olhar para trás”. Respectus, palavra latina que deu origem à palavra Respeito, significa isso: olhar para trás. Hoje em dia, quase ninguém sabe o que é ou o que isso significa; e, pior, quase ninguém o merece.
Vivemos em um mundo de paixões líquidas, clepsídricas, frágeis, provisórias - já disse Bauman em Modernidade Líquida -, onde respeitar é somente mais uma questão de conveniência... E temporária! Respeitar não é mais uma questão de dever ou de direito... A liberté mal fadada se refugiou no subterrâneo e, de lá, dissimula inverdades que fazem as pessoas acharem que o Respeito é uma negação da liberdade individual. E pode até ser, sabia?
Conheço uma frase do Voltaire que diz: "Aos vivos, deve-se o respeito. Aos mortos, apenas a verdade". O que se pode ler daqui é que Respeito e Verdade foram colocados como opostos, como se “olhar para trás” significasse negar a realidade do que está diante dos olhos. Por isso, segundo o francês doidão, os mortos poderiam “saber” e “ouvir” o que não puderam quando eram vivos.
Respeito seria [ou foi], portanto, uma farsa que nos serve [ou serviu] de consolo. E parece que sequer sabemos consolar” agora, nem aos outros nem a nós mesmos.
Somos nada! Nem a língua nos une mais, nem ela é respeitada... Ouviu, Kafka?
Somos nada. Não sabemos “olhar para trás” nem somos dignos de que o façam por nós. Mas bem que poderíamos reaprender o consolo, não é, mãe? 


P.S.: Essa mãe é você, que pede respeito e chama a si mesma de puta na hora do pedido. Vai entender...

segunda-feira, 4 de julho de 2011

 Ser ou não ser: Eis a questão!



Não! Androginia não surgiu na década de 70, com David Bowie e outras personalidades marcantes do Rock nem na década de 90 com a “transgressão” da moda nem nos nossos dias com o “Papai, não sei o que quero comer!” de alguns Emos com spikes e muito glitter.
Em O Banquete, de Platão [1], Aristófanes relata o surgimento dos diferentes sexos; e o Androgynos (Andro – Homem – e Gynos – Mulher) seria uma criatura mítica proto-humana metade homem, metade mulher, que foi separado devido a um conflito com os deuses. Em corpos diferentes, as duas criaturas a partir de então buscariam a outra metade de sua alma, que estaria em sua outra metade, de sexo oposto. Uma – no mínimo – interessante estória para se explicar a origem da Heterossexualidade e o sentimentalismo contido na ideia de “Almas Gêmeas”, que, pela lógica, não deveria ter esse nome. Mas isso é outra história.
Então... Na Antiguidade Clássica, como o fez Platão, por exemplo, falava-se a respeito de Homossexuais (Nas figuras de Andros e Gynos) e dos Heterossexuais (Na figura das metades separadas do Androgynos); e, portanto, da existência de três sexos, não de dois, como atualmente. Contudo, Androginia, considerando a psicologia de Carlos Jung e os estudos de Carlos Dugos, seria muito mais a unidade absoluta do ser integral do que uma apelação ao conceito de ser feminino e ser masculino fundidos.
Todos teriam, sendo assim, uma “essência” masculina e outra feminina, às quais Jung (1997) [2] nomeou Ânimus e Ânima, respectivamente. Logo, Androginia seria uma condição física e psíquica de um indivíduo que não se identifica como macho nem como fêmea, mas como um híbrido, que estaria longe de ser associado a um Homossexual ou Transexual, já que o termo não estabeleceria vínculos tão intensos com sexualidade.
Mas como atualmente as coisas são outras, como temos quase sempre “cópias distorcidas do real”, é muito difícil encontrarmos Andróginos reais, embora se fale na existência de uns tantos mil por aí.
Carlos Dugos, em seu ensaio Androginia, Hermafroditismo e a Hibridação Social dos Sexos, datado de 2001, relata que as condições sociais e até econômicas dos nossos dias contribuem com uma perda de identidade do ser feminino e do masculino. Sob o postulado igualitário a que aspiram Homens e Mulheres hodiernos, aparece a uniformização dos indivíduos, “independentemente dos seus sexos, estabelecendo um código de direitos e deveres que a todos abrange e que, sob pretexto de uma dignificação coletiva, escamoteia a dignidade intrínseca de cada sexo” (DUGOS, 2001) [3]. Segundo o estudioso:

A anulação sistemática das diferenças em nome de uma igualdade uniformizante, cuja veracidade e oportunidade carecem ser provadas pela própria natureza das coisas, conduz, a médio ou longo prazo, à morte do fascínio pela diferença, impulso ancestral do amor e do conhecimento. A manipulação genética, que prescinde do amor, mesmo que meramente erótico, para a formação do novo ser, prepara o momento em que o mais respeitado e cantado dos sentimentos humanos será entendido como uma abstracção mitológica, absolutamente inútil para a conservação da espécie (DUGOS, 2001) [3].


Não é à toa que se encontre comumente nas mais diversas mídias apelos como “Androginia está em alta. Veja como apostar na tendência.”. Não é à toa que, ao sairmos por aí, mesmo que “de bobeira”, seja tão fácil encontrar um projeto de Humanóide caracterizado de forma a que jamais arrisquemos dizer se tratar de um homem ou de uma mulher. Não será sem explicação encontrarmos cada vez mais, partindo das passarelas, rapazinhos amarrando seus pintos por alguns dólares e título de “Exótico”. E absolutamente “compreensível” vir algumas mocinhas engravatadas, com seu novo corte moicano, cara de mau e a boa “Deixei meu pinto em casa hoje.” para conquistar um garoto – seu semelhante – numa balada de sábado à noite.
Viva a vida social da Pós-Modernidade! Viva a total perda de identidade em nome de uma ilusão de Liberdade!


[1] PLATÃO. O Banquete. Lisboa: Edições 70, 1991.
[2] JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus Símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.
[3] DUGOS, Carlos. Androginia, Hermafroditismo e a Hibridação Social dos Sexos. 2001. Disponível em: http://www.triplov.com/alquimias/alq01dug.htm. Acesso em: 04 jul. 2011.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Vulnerável

Sistema em pane. Entre discos rígidos e vinis, uma cláusula para a música. Vírus.
Um pouco de café; e a chuva lá fora; e um quê de azul que sobrevive em mim; e ainda o outro lado de Júpiter fazendo minha boa expressão nos últimos dias.
 Papéis ocupando meu espaço na cama expulsam-me para a rede, mesmo nas noites frias. E, por mais que não pareça, a rede é tão grande... No embalo para o sono, dentro de mim, um silêncio ofegante, cheio de mãos que me tocam e fecham meus olhos para mais um sonho com Sandman.
No beco, entre meu quarto e um muro sujo que já ouviu muita coisa no seu poder em gigas, mais papéis descartados que tocam músicas de ninar para mais uma roda-punk.
Carregando... Erro!
Sujeira no disco, no quarto e fora dele. Não há formatação para uma máquina humana que respira medo. E, embora o outro lado de Júpiter faça parte da visão desse ponto referencial que sou eu, há sempre o medo de que a rotação mostre um coringa rasgado em decepções.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

        O outro lado de Júpiter num café a dois



        É como respirar um ar frio depois de horas abafadas embaixo de um lençol. Como dormir na varanda numa noite de luar e acordar aquecido pelos raios solares. Nenhuma obrigação. Apenas desejo dos sentidos. Apenas necessidade da alma... Tudo o que tenho sentido é isso: Vida e Deus, no Amor.

terça-feira, 31 de maio de 2011


Sobre gatos e Homens

Brandon C., meu Príncipe.

Tarde ensolarada, Céu azul e ventos quase primaveris.
Isso aqui não é nenhum conto de amor. É uma conclusão meio romântica sobre o óbvio, depois de algumas palavras baratas e recusas de escuta.
Tarde ensolarada, Céu azul e ventos quase primaveris. Depois de bocejos ingratos e petrificantes, dormi mal e acordei mais ainda. Levantei e, depois de algumas torradas marrons, olhos azuis para encarar... Ele melhorou visivelmente e observá-lo ali, em meio a folhas e árvores no quintal, trouxe-me uma memória literária: a de uma certa lavoura viçosa em que brotam frutos arredios como filhos não pródigos que sabem escutar a terra.
Ali, em meio a folhas e árvores no quintal, ele limpava a sujeira contida na sua pupila dilatada na noite anterior, quase doente. Do chão, calor – capturado quando ele mastigava um não sei o quê que meus olhos não captavam, mas cogitavam... os apelos da terra. E minha mãe não entendeu, ou o fez mal, quando horas antes ele dormia sobre a grama. Mas eu sabia: sou uma mãe que sabe e não nega a natureza de seu filho, um Demian a quem chamo Príncipe.
E foi ali, na tarde azul, nos ventos ensolarados e no céu cheio de flores nos olhos do meu gato que senti que os Homens [1] desconhecem-se quando se deitam apenas numa realidade literária; não conhecem o sabor da terra, mas reconhecem seu apelo; enterram fundo seus pés na terra (como os gatos, suas garras), mas não conseguem mastigar o calor dela saído, pois são morais demais para isso, são criaturas perfeitas demais. Gatos são gatos. Homens, deuses.

[1] No sentido de seres humanos.

sábado, 28 de maio de 2011

               Uma resposta para Balta
             

  Eu já vivi mais de 40 anos. Conheço embaraços, micos, sorrisos, trejeitos. Mas ainda desconheço. Tenho mais de 20 anos, mas já nasci velha. Não existem soluções plásticas quando a idade é uma marca dentro de nós.
Tantos permanecem agitados por dias após uma balada. Outros tantos permanecem cativos após uma grotesca negação de amor. Muitos outros, dementes após um beijo roubado. E o vazio, aqui do lado, é a maior parte do que sou, na indiferença.
Minha alma – se é que eu acredito mesmo nisso! – tem sono, pede cama, fuga para um refúgio que não tem tempo de surgir e me fazer sumir. Importo-me mais com os interesses na minha responsabilidade: Quase nunca chego atrasada ao trabalho. E importo-me menos com aquilo que poderia me fazer gargalhar de gozo. Sinceramente, eu sobrevivo!
Acho que a maturidade tem muito disso. Ser adulto é ser tedioso; é encarar o nada; beijar o ácido e ainda ter que sorrir aos clientes diversos que aparecem nos dias (in) úteis em que temos que servir para alguma coisa. Numa transição, surgem perguntas sem respostas exatas e constantemente assistimo-nos com os braços envoltos numa frágil coluna enquanto o resto de nosso corpo, estendido horizontalmente, como morto, balança, quase solto, em direção ao que tememos e tentamos negar.
Contudo, mais cedo ou mais tarde, chegamos àqueles 40 anos. Estamos quase lá.  E já sentimos às vezes o gosto do desespero, resquício ainda dos Dramas que protagonizamos há um tempo. Mas o que predomina em mim agora é o trágico do não se importar. Se me negam o amor, durmo bem do mesmo jeito. Se me roubam um beijo, bocejo. Se quero sorrir, espero. Se pareço viver, desespero. Parece mesmo que todo o suposto equilíbrio da maturidade está na indiferença, o porquê da sobre ou subvivência que, não sei por que, nos faz mais respeitados.

sexta-feira, 27 de maio de 2011


Uma moeda por um ideal


 Já tentei pegar moedas numa fonte nova de desejos velhos. Crentes [1] jogaram-nas lá – o que, aparentemente, não parece absurdo, mas é. Cogitei um imã num fio de nylon talvez, ri até – Irônico? –, mas a falta de tempo não me permitiu furtá-las.
As pessoas têm total direito de sonhar ou fantasiar – Como queiram! Mas eu também tenho meu direito de dizer o que penso. Que sonhem, fantasiem, que fujam da realidade, que neguem os fatos, se frustrem e se matem, mas que não comprem o que não existe!
Iludidas pela imagem – na mídia ou nos ecos de nosso inconsciente! –, todas elas, crentes da perfeição, jogam ainda não somente moedas em reais fontes de desejos, mas jogam sua existência, o que são, em débeis fontes de promessas de ideais, cuja real origem ninguém sabe.
O engano parte exatamente da capacidade que as pessoas têm de serem tão desumanas, de se negarem e de negarem que, delas, mais nada há além do que está nelas mesmas: O homem é o que é. A mulher é o que é. Ele é quem é. Ela, quem é. E não pensem as pessoas que o desejo de um está em encontrar o outro, oposto ideal a lhe completar. Inacabados são todos aqueles que não veem que buscam seu próprio ideal, ou o ideal que são. É por isso que, no amor, como diz Nietzsche, os sexos se enganam mutuamente.
Frustrados são todos os que querem a realidade daquilo que apenas pode existir no imaterial, no símbolo presente nos olhos fechados, apertados na crença da realização do que não passa de um capricho numa moeda contaminada – e da maior prova de sua descrença no tanto que são desumanos para consigo mesmos, sobretudo quando lançam na fonte moedas que certamente lhes serviriam mais na economia forçada pela próxima crise do país.

[1] Aqueles que acreditam.

terça-feira, 24 de maio de 2011


Um texto breve para um sentimento mais breve ainda



O amor é como a fé: nada o força [1].
É assim que sentimos e nos tornamos conscientes do fato de amarmos até mesmo àquilo ou a quem fugia às regras, às nossas próprias regras, no sentido de sequer sabermos o porquê da existência do próprio sentimento e do jogo que armamos para conter seu nascimento. Tão outro e tão apaixonante: Isso poderia valer para todos!
Fé não se explica. Amor também não. E a nossa própria consciência também, às vezes, nos foge à compreensão. Só nos sentimos crentes e amantes e conscientes... mesmo quando a insanidade parece a melhor explicação.


[1] Frase original de Schopenhauer: “A Fé é como o amor: nada o força”.

sábado, 14 de maio de 2011


Um café, uma tarde e algumas reflexões


As promessas não precisam ser feitas para que sejam desejadas, assim como não dependem somente de quem as fez para que sejam cumpridas.
As pessoas não precisam morrer para sentir o vazio, assim como o vazio não precisa da morte para existir e fazer estragos.
O ontem não precisa do amanhã para ser lembrado, assim como o agora sempre será levado, independentemente do nosso desejo de esquecê-lo na casa abandonada depois de mais uma mudança.
A arte não precisa do seu gosto para que ainda assim seja arte, assim como o poeta não precisa ter amado para falar de amor.
A vida não precisa ser conhecida para ser vivida, assim como há quem saiba falar dela sem sequer ter posto a ponta do nariz para fora de si mesmo a fim de vivê-la.
Amores nem sempre significam dores, assim como aqueles que nunca sofreram por amor costumam associar o sentimento ao sofrimento.
Homens são capazes de atitudes nobres, assim como as mulheres, por mais que não admitam, têm uma habilidade muito grande para agirem como “vacas”.
Saudades não precisam ser gritadas para que provemos que são sentidas, assim como eu não preciso sofrer para que eu sinta sua falta.
A ausência de luz nem sempre indica a presença das trevas. Ela pode simplesmente estar indicando um interruptor temporariamente desligado e um quarto fechado, assim como a madrugada, quase repentinamente, consegue se transformar numa linda manhã de sol.
A presença da luz nem sempre significa bem-estar, assim como 8 horas da manhã não significam a ausência da madrugada, que ora persiste nas manhãs nubladas e frias.
O silêncio nem sempre significa palavras caladas, assim como uma chuva de verbos e pronomes não significam amor nem maldições.
Uma estante de livros não significa intelectualidade, assim como a falta de diplomas não significa ignorância.
Solidão pode não significar ausência do outro, assim como o outro nem sempre significa companhia.
Eu posso não acreditar em nada disso, assim como não farei nada para que as coisas sejam consertadas.
Nem sempre realizar um sonho significa sair à luta. Certas coisas caem ao nosso lado, no sofá: uma puta, uma garrafa de vodka, nossa carteira vazia... e o Amor!
Sobriedade nem sempre significa exatidão ou verdade, assim como “Eu te amo!” dito sob efeito alcoólico ou desespero pode ser verdade.
Pensar demais nem sempre significa conhecimento. Sentir às vezes é a melhor forma de consciência. A maciez de uma pétala, o sabor de um fruto, a fúria de um Rock somente podem ser conhecidos quando usamos nosso corpo; e, deste, nada sabemos, de fato.
O café nem sempre corta o sono, assim como o cigarro nem sempre é fumado com desejo ou nos acalma; às vezes, está aceso por hábito e reflete ainda mais nossa ebriedade.
Não precisamos um do outro. Assim também como isso não quer dizer que tenha que haver a necessidade para que haja o amor. E se você não sente saudade, não espere que eu revide dizendo a mesma coisa.
Hábitos nem sempre significam personalidade, assim como vestimentas nem sempre dizem quem nós somos, afinal, por trás de um colarinho, pode estar um infame; por trás de um trapo, pode estar um verdadeiro homem.
Parece mesmo que, por trás das nuvens, sempre estará o Sol. Assim como se sabe, sempre, que uma bela tarde e um arco-íris no céu podem ser encerrados por uma noite chuvosa.
Mas tudo, de alguma forma, é. E isso basta para que saibamos nos olhar na próxima vez em que nos encontrarmos.

sexta-feira, 13 de maio de 2011


Do inferno...



Realmente somos vítimas do eterno retorno, do eterno “por vir” que sempre viaja ao passado antes de nós e captura nossas velhas vestes para que tornemos a experimentá-las quando parecíamos totalmente desapegados.
Nos outros nascidos de mim, habitantes de mim e sobreviventes de minhas toscas reminiscências, sinto o inferno que sou eu.
Uma data esquecida é suficiente para uma vibração. Um passado adormecido é o mesmo que oportunidade de vida, passagem para o surgimento de uma crença de que algo morreu. Mas pequenas coisas acontecem ou são ditas e recordadas e sentidas... e podem nos provar que o inferno de que viemos é o mesmo que somos e que permanece em nós, chamejante, agressivo.
Eu em remendos. Eu, vil. Eu, caos. Eu, infernal. Um fruto. Um furto. Eu, réu confesso de infâmias. E o outro em mim. O inferno no Outro. O outro, do inferno e além dele. Um estigma.
Em si. Para si. E depois. Ontem. Amanhã. O primeiro existir. O eu sem fórmulas, sem compreensão, sem porquê. O coração partido. O inferno vivido e sentido. E o desatino a arder na alma que nega e renega a si própria, marca de um pêndulo, de um caos ensimesmado advindo de um inferno plantado e cultivado, nunca ceifado... um inferno que está em mim e que se confunde com quem eu sou...
Realmente somos vítimas do eterno retorno. Vestimos às vezes o que não mais queríamos. E vestes velhas nem sempre caem bem. Tornamos a experimentar flores pútridas. Lambemos o entorno saído das chamas do fruto do nada de que viemos e ao qual retornamos e retornaremos sempre quando estivermos longe de nós, em um vacilo. E vacilos são infernais... e reversíveis!
Mas a recusa também está em mim! E sou eu. Recuso, pois, a máscara, as velhas vestes, o sabor que não é meu ou o que é provado de mim sem permissão. Recuso os dias, os vacilos, os sentimentos de outrora e as enganações da suposta resistência destes. Recuso a dor, a decepção. Recuso você de novo em mim. Recuso o eterno retorno. Quero correr no entorno do que sou e chegar ao centro de mim; no entorno do inferno que sou eu e por mim apenas me queimar... sem pesares e com equilíbro, na permissão de que o novo se achegue e que me faça bem e que eu o queira. Porque eu sei que o inferno, de fato, é aquilo que eu faço dele (BUKOWSKI, 2010) [1] 

[1] BUKOWSKI, Charles. Pulp. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2010.