"[...] já foi o tempo em que via a convivência como
viável, só exigindo deste bem comum, piedosamente, o meu quinhão, já foi o
tempo em que consentia num contrato, deixando muitas coisas de fora sem ceder
contudo no que me era vital, já foi o tempo em que reconhecia a existência
escandalosa de imaginados valores, coluna vertebral de toda ‘ordem’; mas não
tive sequer o sopro necessário, e, negado o respiro, me foi imposto o sufoco; é
esta consciência que me libera, é ela hoje que me empurra, são outras agora
minhas preocupações, é hoje outro o meu universo de problemas; num mundo
estapafúrdio – definitivamente fora de foco – cedo ou tarde tudo acaba se
reduzindo a um ponto de vista, e você que vive paparicando as ciências humanas,
nem suspeita que paparica uma piada: impossível ordenar o mundo dos valores,
ninguém arruma a casa do capeta; me recuso pois a pensar naquilo em que não
mais acredito, seja o amor, a amizade, a família, a igreja, a humanidade; me
lixo com tudo isso! me apavora ainda a existência, mas não tenho medo de ficar
sozinho, foi conscientemente que escolhi o exílio, me bastando hoje o cinismo
dos grandes indiferentes [...]" [1]
[1] NASSAR, Raduan. Um
copo de cólera. São Paulo: Companhia das letras, 1992. p. 54-55.
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