segunda-feira, 19 de novembro de 2012


Noite sem fim



O reencontro com velhas palavras traz memórias de (talvez) velhos sentimentos. Dessa vez, foram as palavras sobre a lua carrasca e as esmagadas flores de lótus do conto do marginal Lovecraft. E as memórias foram aquelas que cerraram uma conversa sobre crise existencial... No meio de um vacilo de incoerentes ideias, experimentamos a companhia um do outro, mas não foi nessa mesma conversa que a nossa fuga aconteceu.
Estamos hoje onde “túrgidos vermes devoram os mortos do mundo”. Se estamos mortos, é o que nos resta saber. Se estamos também sendo devorados por vermes, essa é a dúvida. Mas, de alguma maneira, existe a sensação de que algo foi devorado em nós. E a morte existe quando lembramos que era um de nós dois a lua carrasca, que, de forma macabra, perseguia o vacilante na vaga margem de um rio; e que era o outro quem corria esmagando rostos em lótus que desciam num redemoinho.
Por fim, foi provando a companhia um do outro que nos descobrimos extraviados do que achávamos que tínhamos e desejosos por sangrar no outro algum rosto em lótus que passou despercebido. Foi assim que, mutuamente, passamos a sentir como se algo nos corroesse e como se, no fundo, estivéssemos mortos. Talvez sejamos o verme e o morto um do outro, simultaneamente.

domingo, 29 de abril de 2012


O Albatroz



É desse céu indeciso que tomo forças para mergulhar,
Na proa de um barco
Ou no homérico oceano.
É a vida ou a morte que faz meu alimento.
É o mito que me persegue o que os pescadores temem.
Não eu!
Senhor unicamente do Azul, eu nunca fiz um ninho no pescoço de ninguém...
E persigo barcos unicamente pelo rastro de óleo de peixe que deixam para trás.

Mas não é o rastro nem o óleo... O Peixe: isso é o que eu quero!
Não os obsoletos homens que guiam os barcos que me atraem
Nem ainda os pescadores que têm, cada um, dentro de si.
A corja humana não faz minha prisão.

Sou dono da pura magia do vôo;
do gosto do mar;
do azul do céu.
E também da magia do mar,
do gosto do céu e do azul do vôo.

Ainda uma vez mais, quero-me.
Por isso não tenho buscado tempestades
Nem ridicularizado as flechas que me buscam.
Tenho, eu mesmo, me exilado no chão.
Tenho, eu mesmo, impedido meu vôo...
Ainda uma vez, para que eu possa, a mim, encontrar.

Aves gigantes também precisam de chão.
E o amor é uma desculpa cara.

domingo, 22 de janeiro de 2012

            Nota de Esclarecimento aos que se limitam

             
            Isto não sou eu. Meses depois, encontro-me a me estranhar em cada coisa que escrevi. Sou Pássaro em renovação. Ascendo à liberdade e me posto no Ideal que busco. Se não me encontro, se me perco no que fui, é sinal de que me achego àquilo que me espera e do qual necessito. E posso fazê-lo em tempos mórbidos ou ensolarados, em questão de dias ou anos, sempre que necessário ou conveniente. Sou livre, do jeito que acredito ser. Sou L’oiseau.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

          Crônica de Reveillon


 De novo, seremos induzidos à reflexão diante de um espelho sujo pelo tempo; choraremos enquanto admiramos os fogos; abraçaremos quem nos amou e a quem amamos e persistiram em nossas vidas; apertaremos a mão daqueles que nos atrapalharam e daqueles que nunca vimos antes; e recomeçaremos, na tentativa de fazer as coisas melhores, do nosso real e novo jeito, segundo nossas verdades, que, de universais, não tem nada.
Mais uma vez, nos daremos o trabalho de escolher a roupa e o sapato novos, atentando, inclusive, para suas cores. Bateremos a poeira do nosso corpo, agora mais velho, e nos prometeremos a vida, mais uma vez, para o “eterno” que durará 366 dias dessa vez.
E, de novo, recolheremos nossos cacos e trataremos de esconder as mágoas, pesando mais as coisas boas do ano que acaba e jurando levá-las conosco para sempre, até que elas se esvaiam ou que irritem nossos monstros interiores. Mas, sinceramente, não queremos que nada de mal lhes ou nos aconteça.
Aspiramos a ver preservada a tranquilidade de alguns dos nossos dias, a bonança de algumas metas alcançadas e o equilíbrio daquele Amor que sempre quisemos ter e que, sem que esperássemos, da maneira mais surpreendente e na pessoa menos improvável, nos foi dado.
Pela milionésima vez, apontaremos nossa confiança renovada e nossos olhos adiante, enquanto que, em um passado não tão distante, de meses atrás, parecíamos irrenováveis e fragilizados para todo o sempre.
Mas é isso o que o Reveillon tem de bom. O Novo Ano nos serve novas energias, novos sonhos, novos cursos, novas promessas. E, embora ciente de que nem sempre o novo seja bom, eu também, como a maioria das pessoas, busco renovação (RE – NOVA – AÇÃO).

sexta-feira, 18 de novembro de 2011


Tergiversar

 Olha a minha cara de dispensa, de elogio aos relacionamentos baratos e a essas coisas que metem medo na maioria das pessoas. Hoje é o dia de soprar essa fumaça pútrida das convenções e dar na própria cara os tapas desejosos da cara daqueles que nos descartaram.
Dê em si mesmo o tapa que lhe acordará à verdade universal: você apenas precisa arremessar para longe aqueles ventos que lhe dizem que você precisa de alguém para ser feliz. Antes de tudo, busque-se! E verá que é você mesmo a roda viva desse universo. É de você que partem os caminhos a serem seguidos. Mas, se você não tem voz para apontar a própria direção, perdoe-me: Você será apenas mais um idiota a plantar cadáveres nas trincheiras que outros fizeram para você semear.
Não seja mais um idiota a se perder. Nós mesmos é que devemos fazer nossa carta de alforria. Ignore o medo e faça seu casamento com você mesmo. Fidelidade individual é o que há. Após, a liberdade lhe sorrirá. E é essa a cara de deboche que enfeitará sua tez de sarcasmo e de diversão. E tudo terá um xadrez diferente.
Olhando daqui, de detrás dessa fumaça toda, dá até para ver o céu azul.

terça-feira, 15 de novembro de 2011



Não vêm de longe essas perguntas que atormentam; vêm de há muito e daqui do lado, dessa abertura monstruosa neste peito consumido. Quem achar o sopro sobrenatural um equívoco é porque ainda não sabe que a obscuridade é a principal marca de nossa origem. Como já disse Hermann Hesse, outrora, proviemos do mesmo abismo. E é para o mesmo fim que caminhamos.
Esta terra amassada pelos meus pés e mãos jaz no meu suor. Este céu azul e branco é capturado e aprisionado e eternizado num flash de olhos cansados que não desistem. Este odor de almoço servido, pronto, fácil, apodrecerá. Repudiamos o acre, mas salivamos com a lembrança do nosso paladar desdenhoso e falso.
Só não conscientizamos a origem, porcos que somos, reles que estamos. É o nosso mistério a encandear-se, a desdobrar-se, a transfigurar-se, a suicidar-se e a refazer-se, sempre novo, sempre possesso.
Não vêm de longe, vêm de há muito, essas perguntas que atormentam...

domingo, 30 de outubro de 2011



Superfície

Temos alguns monstros aqui dentro e, ora sim ora não, eles nos consomem.
Na superfície, nada de mar revolto; mas o vazio de palavras aqui dentro denuncia-nos. Crise. Pane. Nada pior do que não conseguir saber o que de fato sentimos.
A Ressaca age de dentro para fora, minuciosamente.
Amiudadamente.
Monstros interiores. Monstros interiores.
Mitos. Placebos de uma vida mal sentida.