terça-feira, 31 de maio de 2011


Sobre gatos e Homens

Brandon C., meu Príncipe.

Tarde ensolarada, Céu azul e ventos quase primaveris.
Isso aqui não é nenhum conto de amor. É uma conclusão meio romântica sobre o óbvio, depois de algumas palavras baratas e recusas de escuta.
Tarde ensolarada, Céu azul e ventos quase primaveris. Depois de bocejos ingratos e petrificantes, dormi mal e acordei mais ainda. Levantei e, depois de algumas torradas marrons, olhos azuis para encarar... Ele melhorou visivelmente e observá-lo ali, em meio a folhas e árvores no quintal, trouxe-me uma memória literária: a de uma certa lavoura viçosa em que brotam frutos arredios como filhos não pródigos que sabem escutar a terra.
Ali, em meio a folhas e árvores no quintal, ele limpava a sujeira contida na sua pupila dilatada na noite anterior, quase doente. Do chão, calor – capturado quando ele mastigava um não sei o quê que meus olhos não captavam, mas cogitavam... os apelos da terra. E minha mãe não entendeu, ou o fez mal, quando horas antes ele dormia sobre a grama. Mas eu sabia: sou uma mãe que sabe e não nega a natureza de seu filho, um Demian a quem chamo Príncipe.
E foi ali, na tarde azul, nos ventos ensolarados e no céu cheio de flores nos olhos do meu gato que senti que os Homens [1] desconhecem-se quando se deitam apenas numa realidade literária; não conhecem o sabor da terra, mas reconhecem seu apelo; enterram fundo seus pés na terra (como os gatos, suas garras), mas não conseguem mastigar o calor dela saído, pois são morais demais para isso, são criaturas perfeitas demais. Gatos são gatos. Homens, deuses.

[1] No sentido de seres humanos.

sábado, 28 de maio de 2011

               Uma resposta para Balta
             

  Eu já vivi mais de 40 anos. Conheço embaraços, micos, sorrisos, trejeitos. Mas ainda desconheço. Tenho mais de 20 anos, mas já nasci velha. Não existem soluções plásticas quando a idade é uma marca dentro de nós.
Tantos permanecem agitados por dias após uma balada. Outros tantos permanecem cativos após uma grotesca negação de amor. Muitos outros, dementes após um beijo roubado. E o vazio, aqui do lado, é a maior parte do que sou, na indiferença.
Minha alma – se é que eu acredito mesmo nisso! – tem sono, pede cama, fuga para um refúgio que não tem tempo de surgir e me fazer sumir. Importo-me mais com os interesses na minha responsabilidade: Quase nunca chego atrasada ao trabalho. E importo-me menos com aquilo que poderia me fazer gargalhar de gozo. Sinceramente, eu sobrevivo!
Acho que a maturidade tem muito disso. Ser adulto é ser tedioso; é encarar o nada; beijar o ácido e ainda ter que sorrir aos clientes diversos que aparecem nos dias (in) úteis em que temos que servir para alguma coisa. Numa transição, surgem perguntas sem respostas exatas e constantemente assistimo-nos com os braços envoltos numa frágil coluna enquanto o resto de nosso corpo, estendido horizontalmente, como morto, balança, quase solto, em direção ao que tememos e tentamos negar.
Contudo, mais cedo ou mais tarde, chegamos àqueles 40 anos. Estamos quase lá.  E já sentimos às vezes o gosto do desespero, resquício ainda dos Dramas que protagonizamos há um tempo. Mas o que predomina em mim agora é o trágico do não se importar. Se me negam o amor, durmo bem do mesmo jeito. Se me roubam um beijo, bocejo. Se quero sorrir, espero. Se pareço viver, desespero. Parece mesmo que todo o suposto equilíbrio da maturidade está na indiferença, o porquê da sobre ou subvivência que, não sei por que, nos faz mais respeitados.

sexta-feira, 27 de maio de 2011


Uma moeda por um ideal


 Já tentei pegar moedas numa fonte nova de desejos velhos. Crentes [1] jogaram-nas lá – o que, aparentemente, não parece absurdo, mas é. Cogitei um imã num fio de nylon talvez, ri até – Irônico? –, mas a falta de tempo não me permitiu furtá-las.
As pessoas têm total direito de sonhar ou fantasiar – Como queiram! Mas eu também tenho meu direito de dizer o que penso. Que sonhem, fantasiem, que fujam da realidade, que neguem os fatos, se frustrem e se matem, mas que não comprem o que não existe!
Iludidas pela imagem – na mídia ou nos ecos de nosso inconsciente! –, todas elas, crentes da perfeição, jogam ainda não somente moedas em reais fontes de desejos, mas jogam sua existência, o que são, em débeis fontes de promessas de ideais, cuja real origem ninguém sabe.
O engano parte exatamente da capacidade que as pessoas têm de serem tão desumanas, de se negarem e de negarem que, delas, mais nada há além do que está nelas mesmas: O homem é o que é. A mulher é o que é. Ele é quem é. Ela, quem é. E não pensem as pessoas que o desejo de um está em encontrar o outro, oposto ideal a lhe completar. Inacabados são todos aqueles que não veem que buscam seu próprio ideal, ou o ideal que são. É por isso que, no amor, como diz Nietzsche, os sexos se enganam mutuamente.
Frustrados são todos os que querem a realidade daquilo que apenas pode existir no imaterial, no símbolo presente nos olhos fechados, apertados na crença da realização do que não passa de um capricho numa moeda contaminada – e da maior prova de sua descrença no tanto que são desumanos para consigo mesmos, sobretudo quando lançam na fonte moedas que certamente lhes serviriam mais na economia forçada pela próxima crise do país.

[1] Aqueles que acreditam.

terça-feira, 24 de maio de 2011


Um texto breve para um sentimento mais breve ainda



O amor é como a fé: nada o força [1].
É assim que sentimos e nos tornamos conscientes do fato de amarmos até mesmo àquilo ou a quem fugia às regras, às nossas próprias regras, no sentido de sequer sabermos o porquê da existência do próprio sentimento e do jogo que armamos para conter seu nascimento. Tão outro e tão apaixonante: Isso poderia valer para todos!
Fé não se explica. Amor também não. E a nossa própria consciência também, às vezes, nos foge à compreensão. Só nos sentimos crentes e amantes e conscientes... mesmo quando a insanidade parece a melhor explicação.


[1] Frase original de Schopenhauer: “A Fé é como o amor: nada o força”.

sábado, 14 de maio de 2011


Um café, uma tarde e algumas reflexões


As promessas não precisam ser feitas para que sejam desejadas, assim como não dependem somente de quem as fez para que sejam cumpridas.
As pessoas não precisam morrer para sentir o vazio, assim como o vazio não precisa da morte para existir e fazer estragos.
O ontem não precisa do amanhã para ser lembrado, assim como o agora sempre será levado, independentemente do nosso desejo de esquecê-lo na casa abandonada depois de mais uma mudança.
A arte não precisa do seu gosto para que ainda assim seja arte, assim como o poeta não precisa ter amado para falar de amor.
A vida não precisa ser conhecida para ser vivida, assim como há quem saiba falar dela sem sequer ter posto a ponta do nariz para fora de si mesmo a fim de vivê-la.
Amores nem sempre significam dores, assim como aqueles que nunca sofreram por amor costumam associar o sentimento ao sofrimento.
Homens são capazes de atitudes nobres, assim como as mulheres, por mais que não admitam, têm uma habilidade muito grande para agirem como “vacas”.
Saudades não precisam ser gritadas para que provemos que são sentidas, assim como eu não preciso sofrer para que eu sinta sua falta.
A ausência de luz nem sempre indica a presença das trevas. Ela pode simplesmente estar indicando um interruptor temporariamente desligado e um quarto fechado, assim como a madrugada, quase repentinamente, consegue se transformar numa linda manhã de sol.
A presença da luz nem sempre significa bem-estar, assim como 8 horas da manhã não significam a ausência da madrugada, que ora persiste nas manhãs nubladas e frias.
O silêncio nem sempre significa palavras caladas, assim como uma chuva de verbos e pronomes não significam amor nem maldições.
Uma estante de livros não significa intelectualidade, assim como a falta de diplomas não significa ignorância.
Solidão pode não significar ausência do outro, assim como o outro nem sempre significa companhia.
Eu posso não acreditar em nada disso, assim como não farei nada para que as coisas sejam consertadas.
Nem sempre realizar um sonho significa sair à luta. Certas coisas caem ao nosso lado, no sofá: uma puta, uma garrafa de vodka, nossa carteira vazia... e o Amor!
Sobriedade nem sempre significa exatidão ou verdade, assim como “Eu te amo!” dito sob efeito alcoólico ou desespero pode ser verdade.
Pensar demais nem sempre significa conhecimento. Sentir às vezes é a melhor forma de consciência. A maciez de uma pétala, o sabor de um fruto, a fúria de um Rock somente podem ser conhecidos quando usamos nosso corpo; e, deste, nada sabemos, de fato.
O café nem sempre corta o sono, assim como o cigarro nem sempre é fumado com desejo ou nos acalma; às vezes, está aceso por hábito e reflete ainda mais nossa ebriedade.
Não precisamos um do outro. Assim também como isso não quer dizer que tenha que haver a necessidade para que haja o amor. E se você não sente saudade, não espere que eu revide dizendo a mesma coisa.
Hábitos nem sempre significam personalidade, assim como vestimentas nem sempre dizem quem nós somos, afinal, por trás de um colarinho, pode estar um infame; por trás de um trapo, pode estar um verdadeiro homem.
Parece mesmo que, por trás das nuvens, sempre estará o Sol. Assim como se sabe, sempre, que uma bela tarde e um arco-íris no céu podem ser encerrados por uma noite chuvosa.
Mas tudo, de alguma forma, é. E isso basta para que saibamos nos olhar na próxima vez em que nos encontrarmos.

sexta-feira, 13 de maio de 2011


Do inferno...



Realmente somos vítimas do eterno retorno, do eterno “por vir” que sempre viaja ao passado antes de nós e captura nossas velhas vestes para que tornemos a experimentá-las quando parecíamos totalmente desapegados.
Nos outros nascidos de mim, habitantes de mim e sobreviventes de minhas toscas reminiscências, sinto o inferno que sou eu.
Uma data esquecida é suficiente para uma vibração. Um passado adormecido é o mesmo que oportunidade de vida, passagem para o surgimento de uma crença de que algo morreu. Mas pequenas coisas acontecem ou são ditas e recordadas e sentidas... e podem nos provar que o inferno de que viemos é o mesmo que somos e que permanece em nós, chamejante, agressivo.
Eu em remendos. Eu, vil. Eu, caos. Eu, infernal. Um fruto. Um furto. Eu, réu confesso de infâmias. E o outro em mim. O inferno no Outro. O outro, do inferno e além dele. Um estigma.
Em si. Para si. E depois. Ontem. Amanhã. O primeiro existir. O eu sem fórmulas, sem compreensão, sem porquê. O coração partido. O inferno vivido e sentido. E o desatino a arder na alma que nega e renega a si própria, marca de um pêndulo, de um caos ensimesmado advindo de um inferno plantado e cultivado, nunca ceifado... um inferno que está em mim e que se confunde com quem eu sou...
Realmente somos vítimas do eterno retorno. Vestimos às vezes o que não mais queríamos. E vestes velhas nem sempre caem bem. Tornamos a experimentar flores pútridas. Lambemos o entorno saído das chamas do fruto do nada de que viemos e ao qual retornamos e retornaremos sempre quando estivermos longe de nós, em um vacilo. E vacilos são infernais... e reversíveis!
Mas a recusa também está em mim! E sou eu. Recuso, pois, a máscara, as velhas vestes, o sabor que não é meu ou o que é provado de mim sem permissão. Recuso os dias, os vacilos, os sentimentos de outrora e as enganações da suposta resistência destes. Recuso a dor, a decepção. Recuso você de novo em mim. Recuso o eterno retorno. Quero correr no entorno do que sou e chegar ao centro de mim; no entorno do inferno que sou eu e por mim apenas me queimar... sem pesares e com equilíbro, na permissão de que o novo se achegue e que me faça bem e que eu o queira. Porque eu sei que o inferno, de fato, é aquilo que eu faço dele (BUKOWSKI, 2010) [1] 

[1] BUKOWSKI, Charles. Pulp. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2010.

terça-feira, 10 de maio de 2011

“Não tenho afeto para dar”                             
                           

 [...]
A mulher tenta tocá-lo, seduzi-lo. Usa o próprio corpo e sua sensualidade nessa tentativa. Tudo em vão. Cansada, sai do recinto com uma escuridão na memória, os ombros caídos e feito sonâmbula. É ele um afeiçoado à negação do amor. É ela uma patética afeiçoada à demanda daquele sentimento (NASSAR, 1996) [1].
[...]
Se analisarmos as circunstâncias em que a relação entre as pessoas se dá hoje em dia, descobriremos que uma das marcas do momento é a negação do amor, do afeto. Isso também não quer dizer que as pessoas realmente não sonhem com encontrar o par ideal, pelo contrário: até sonham; acontece que a esquiva reúne pontos de um ideal de personalidade que busca de fato a negação do sofrimento.
Filmes, seriados, novelas... Diversos são os meios de entretenimento que hoje criam desses personagens livres que fogem das telas e ganham os quartos, as salas, as praças. Hoje em dia, todos pregam o desapego (ou quase).
Aliás, antes esse era um papel quase exclusivamente masculino. Mas, atualmente, as mulheres costumam fazer a mesma coisa e, para os adeptos de uma visão mais tradicionalista, fazem pior, pois acabam negando o que é intrínseco à sua constituição: a “doação”, o amor.
Mas acontece que todos nós, homens e mulheres, já imploramos amor. E inúmeras vezes o negamos também. O sofrimento, de uma ou de ambas as partes, foi a pior consequência. Por isso mesmo, como alunos aplicados que aprenderam a lição que a professora Vida ensinou, parecemos tão afeiçoados à negação do afeto, longes da preocupação com o outro e embebidos num egoísmo falho que, mais cedo ou mais tarde, nos dará as costas.  E se continuarmos assim, acreditando nos nossos professores frustrados e defasados como nós mesmos, sairemos todos do recinto de nossa calma liberdade e ingressaremos numa escuridão interna de memória e solidão... Todos com os ombros caídos e feito sonâmbulos.

             [1]  NASSAR, Raduan. Hoje de Madrugada. In: Cadernos de Literatura Brasileira, n. 2, Raduan Nassar. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1996. p. 56-60.

sábado, 7 de maio de 2011

Aos filhos, no Dia das Mães          
          

Filósofas do instinto, imagens de Deus na Terra, samurais de combate em defesa da cria, lar mesmo na ausência de teto, reflexo da honra mesmo na ausência desta... Essas e outras adjetivações, eu já ouvi a respeito das mães. Mas minha intenção aqui não é dizer nada disso, o que também não quer dizer que o negue.
Mães são humanas! Graças a Deus cheguei a essa conclusão a tempo, senão já teria posto uma mochila nas costas, acendido um cigarro, enchido a cara e, de quebra, teria ido embora de casa, para nunca mais voltar! Jamais gastaria a herança nem tomaria garrafas de falso arrependimento nem compraria uma passagem para um perdão infinito, sempre pronto. Não! Primeiro, porque na minha família não existe esse negócio de herança. Segundo, não sou cara-de-pau (Só às vezes!). Terceiro, já que eu não seria tão pródiga para voltar a casa, não poderia receber nas mãos uma caixa dessa mercadoria que muitas pessoas usam hoje em dia a fim de se tornarem mais bonitas aos olhos das outras: o perdão.
Tenta entender... As mães são, de fato, humanas! Elas nos xingam, nos batem, nos mimam, nos compram (Com afeto ou presentes), nos machucam, nos ensinam coisas erradas, morrem de ciúme de nós, são obsessivas, são cegas, enxergam aquém da realidade às vezes e fazem outras coisinhas mais, o que, aliás, as pessoas, às vésperas do dia e no Dia das Mães, esquecem. E o pior é que esquecem depois também.
Elas querem sempre nos amar pelo que há delas em nós. Aliás, procuram sempre isso aí: Elas querem que sejamos o reflexo de sua maturidade, de seu trabalho, de sua coragem, de sua garra... Então, podemos ser isso mais sua obsessão, mais sua crise de ciúme, mais sua imaturidade, mais sua falsa experiência em tudo e... Não é? Não! Por quê? Porque elas não permitem. Mães são carrascas também.
Isso também não as deixam menos merecedoras de flores, livros, roupas de grife, sapatos caros, perfumes franceses, notebooks, jatinhos, etc. Pelo contrário: Elas são merecedoras de tudo isso. Foram adolescentes, foram jovens, curtiram ou não a vida como deveriam e... geraram-nos, amamentaram-nos, seguraram nossas mãos até a escola, vibraram com nossas aprovações em vestibulares e vitórias em competições no esporte, permaneceram acordadas enquanto, doentes, tomávamos um soro durante a madrugada, amaram-nos mesmo quando estávamos dormindo e não poderíamos retribuir aquele olhar de “Eu te amo, filho!” que nos era dirigido num dia qualquer, sem data. Fizeram tudo isso (E mais!) quando poderiam optar pela liberdade, pelas noites bem dormidas, sem preocupação; quando poderiam optar por espaço na casa, nas finanças e no coração do marido ou namorado; quando poderiam ser egoístas e vaidosas e, portanto, não arriscar sua forma física apenas para gerar um moleque que poderia sequer reconhecer o sacrifício depois; etc.
Mas isso ainda não é o mais sublime. Paradoxalmente, o mais sublime que descobri nelas (Pelo menos na maioria!) é a humanidade! Isso! Não falo do sinônimo de caridade. Falo do que nos faz realmente humanos: o Maniqueísmo. Descobrir a dualidade das mães, seus defeitos fundidos também às suas qualidades, fez-me mais filha, mais eu, menos pródiga, menos arrependida; fez-me até perder a vontade de pedir as contas da pensão familiar, de me somar aos vícios e querer quebrar a cara propositalmente.
Definitivamente, elas são a maior prova do Amor. Delas, vem a luz que nos incita à percepção de que somos humanos demasiadamente, principalmente quando não permitimos que elas também o sejam.

terça-feira, 3 de maio de 2011


Meus juízes, meus carrascos, meus extravios e extraviados

 
Nunca precisei matar ninguém. Não falo de vontades e repentinos segundos de insanidade, psicológica ou narcísica. Isso já é outra coisa! Falo de razão de verdade, o que, de cara, revela:
Eu nunca matei ninguém! Mas sequer precisei fazê-lo para que juízes e carrascos corressem atrás de mim. E foram tantos! Em cada novo momento, um juiz diferente e um carrasco dessemelhante do anterior. Uns, baixos e agressivos; outros, altos e frios, congelantes. Todos novos, enfim! Não tão novos assim, mas estrategicamente distintos. E eu permaneço tão calada...
Nossas origens são carrascos e juízes ao mesmo tempo. Negam a realidade e, para provar a razão posta à prova, esmurram a tão famosa ponta da faca da emoção, do tradicionalismo e da moral de não sei o quê. Consequentemente, feliz e infelizmente, sangram. Felizmente porque tornam-se cientes do fato. Infelizmente (Infelizes Mentes!) porque o mesmo fato lhes fugiu à expectativa e muito provavelmente voltará a ser negado.
Já tentei deixar-me ser moldada. Mas a infância dos meus dias morreu rapidamente. Gritei, calei, perdi e pedi razão e, noutras vezes, fui tão “emoção”, sempre quando quis, nunca quando exigiram de mim.
Hoje, ela sangrou, mas eu não poderia negar os velhos (e novos) juízes e carrascos tão saídos de mim. Foram tantos os imorais também, tantos os extraviados, os inimigos do povo, patifes... Negar isso tudo seria negar a mim! Todo homem revoltado é consciente de seus direitos, afinal (CAMUS, 2003) [1]. E eu estava tanto que via a homérica epilepsia do (meu) corpo apaixonado, da mente germinada, da qual brotavam, como em André, delírios e desatinos nascidos do negado (e "perigoso"!) universo das paixões.
Não estou mencionando a simples paixão: troca de olhares, desejos e sentidos num objeto... Mas a paixão narcísica, do caos e esplendor do individualismo que grita de mim: a paixão do que não é moral ou imoral, mas do nirvana de encontrar a mim e nunca mais querer me largar.
           
         [1] CAMUS, A. O homem revoltado. Trad. Valérie Rumjanek. Rio de Janeiro: Record, 2003.