sexta-feira, 13 de maio de 2011


Do inferno...



Realmente somos vítimas do eterno retorno, do eterno “por vir” que sempre viaja ao passado antes de nós e captura nossas velhas vestes para que tornemos a experimentá-las quando parecíamos totalmente desapegados.
Nos outros nascidos de mim, habitantes de mim e sobreviventes de minhas toscas reminiscências, sinto o inferno que sou eu.
Uma data esquecida é suficiente para uma vibração. Um passado adormecido é o mesmo que oportunidade de vida, passagem para o surgimento de uma crença de que algo morreu. Mas pequenas coisas acontecem ou são ditas e recordadas e sentidas... e podem nos provar que o inferno de que viemos é o mesmo que somos e que permanece em nós, chamejante, agressivo.
Eu em remendos. Eu, vil. Eu, caos. Eu, infernal. Um fruto. Um furto. Eu, réu confesso de infâmias. E o outro em mim. O inferno no Outro. O outro, do inferno e além dele. Um estigma.
Em si. Para si. E depois. Ontem. Amanhã. O primeiro existir. O eu sem fórmulas, sem compreensão, sem porquê. O coração partido. O inferno vivido e sentido. E o desatino a arder na alma que nega e renega a si própria, marca de um pêndulo, de um caos ensimesmado advindo de um inferno plantado e cultivado, nunca ceifado... um inferno que está em mim e que se confunde com quem eu sou...
Realmente somos vítimas do eterno retorno. Vestimos às vezes o que não mais queríamos. E vestes velhas nem sempre caem bem. Tornamos a experimentar flores pútridas. Lambemos o entorno saído das chamas do fruto do nada de que viemos e ao qual retornamos e retornaremos sempre quando estivermos longe de nós, em um vacilo. E vacilos são infernais... e reversíveis!
Mas a recusa também está em mim! E sou eu. Recuso, pois, a máscara, as velhas vestes, o sabor que não é meu ou o que é provado de mim sem permissão. Recuso os dias, os vacilos, os sentimentos de outrora e as enganações da suposta resistência destes. Recuso a dor, a decepção. Recuso você de novo em mim. Recuso o eterno retorno. Quero correr no entorno do que sou e chegar ao centro de mim; no entorno do inferno que sou eu e por mim apenas me queimar... sem pesares e com equilíbro, na permissão de que o novo se achegue e que me faça bem e que eu o queira. Porque eu sei que o inferno, de fato, é aquilo que eu faço dele (BUKOWSKI, 2010) [1] 

[1] BUKOWSKI, Charles. Pulp. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2010.

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