terça-feira, 10 de maio de 2011

“Não tenho afeto para dar”                             
                           

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A mulher tenta tocá-lo, seduzi-lo. Usa o próprio corpo e sua sensualidade nessa tentativa. Tudo em vão. Cansada, sai do recinto com uma escuridão na memória, os ombros caídos e feito sonâmbula. É ele um afeiçoado à negação do amor. É ela uma patética afeiçoada à demanda daquele sentimento (NASSAR, 1996) [1].
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Se analisarmos as circunstâncias em que a relação entre as pessoas se dá hoje em dia, descobriremos que uma das marcas do momento é a negação do amor, do afeto. Isso também não quer dizer que as pessoas realmente não sonhem com encontrar o par ideal, pelo contrário: até sonham; acontece que a esquiva reúne pontos de um ideal de personalidade que busca de fato a negação do sofrimento.
Filmes, seriados, novelas... Diversos são os meios de entretenimento que hoje criam desses personagens livres que fogem das telas e ganham os quartos, as salas, as praças. Hoje em dia, todos pregam o desapego (ou quase).
Aliás, antes esse era um papel quase exclusivamente masculino. Mas, atualmente, as mulheres costumam fazer a mesma coisa e, para os adeptos de uma visão mais tradicionalista, fazem pior, pois acabam negando o que é intrínseco à sua constituição: a “doação”, o amor.
Mas acontece que todos nós, homens e mulheres, já imploramos amor. E inúmeras vezes o negamos também. O sofrimento, de uma ou de ambas as partes, foi a pior consequência. Por isso mesmo, como alunos aplicados que aprenderam a lição que a professora Vida ensinou, parecemos tão afeiçoados à negação do afeto, longes da preocupação com o outro e embebidos num egoísmo falho que, mais cedo ou mais tarde, nos dará as costas.  E se continuarmos assim, acreditando nos nossos professores frustrados e defasados como nós mesmos, sairemos todos do recinto de nossa calma liberdade e ingressaremos numa escuridão interna de memória e solidão... Todos com os ombros caídos e feito sonâmbulos.

             [1]  NASSAR, Raduan. Hoje de Madrugada. In: Cadernos de Literatura Brasileira, n. 2, Raduan Nassar. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1996. p. 56-60.

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